04 novembro 2015

O que me disseste à imaginação

Vi o que me disseste à imaginação. Não te esqueci, não. (Risos.) Nem que fosse esquecer o verbo correcto para esta frase.

Era apenas uma representação a decorrer normalmente no nosso imaginário. Uma imaginação de nós a sermos mais que nós. O meu corpo semi-nu desenhava movimentos de um baile acompanhado de uma calma música de blues, talvez o Dimples do John Lee Hooker. Estes movimentos sujavam de bordô a tela que pintavas com os lábios da mesma cor no branco baço e expressivo da tua pele salpicada a sardas contrastante com o brilhante do sorriso esguio e da pinta reluzente do olhar que não consegui localizar.
Fomos inundados de arte e as nossas cabeças estão prestes a explodir com a mistura de emoções e pensamentos díspares. Estamos exactamente no estado em que ficámos depois do nosso filme favorito com a agravante de não ser um filme e de sermos nós os protagonistas. Aquelas cadeiras vermelho vivo no escuro da sala eram montanhas de pétalas de rosa em que nos afundávamos mudos, boquiabertos e sorridentes, mas só por dentro.
Naquele recosto de poltronas de sala de teatro viajámos imóveis por toda a plateia sentados lado a lado. Eu do teu lado esquerdo. Não que isso tenha algo de relevancia, mas está fora do meu controlo poder alterar esse facto. Quando chegámos lá bem à ponta do lado esquerdo longe do artista, saí do meu corpo dançante e estava inteiramente ao teu lado. Sorri abertamente orguhoso e vi o teu sorriso de outro orgulho, um diferente do meu. Votei a minha cara para a frente e recostei-me afundando ainda mais naquele sofá de pétalas. O meu cabelo tocou no teu ombro como gosta de fazer. Com aquela marotice acanhada de um recém apaixonado.
O espétaculo continuou pelo palco sem se mover temporalmente nem um milésimo de segundo ou menos ainda que isso. E eu ali ao teu lado não pude deixar de beijar-te. Estava demasiado cheio para não o fazer. Aquele transbordo de alimento cerebral tornou inevitável o ato que na plateia de desenrolara.
Sorri mais, sorri mais, sorri mais e sorri um puco mais. Os meus lábios de olhos semicerrados voltados para a frente não deixaram que o sorriso fosse totalmente esboçado e vi como se te olhasse nos olhos a felicidade irrequieta que esboçava o foco dos teus olhos no lado de lá do teu horizonte.

Foi lá que me deixaste? Gosto desse lugar, como já te disse, também imaginariamente.